Anne de Green Gables - Capítulo 3
Eram os de uso diário e na mesa haviam apenas conservas de maça silvestre e um tipo só de bolo, portanto a companhia esperada não poderia ser alguém especial. No entanto, e o colarinho branco de Matthew e a égua alazã? A senhora Rachel estava ficando desnorteada com esse mistério incomum envolvendo a quieta e nada misteriosa Green Gables.
– Boa tarde, Rachel – cumprimentou energeticamente Marilla – Está sendo um ótimo fim de tarde, não é? Não quer se sentar? Como está a sua família?
Algo que, por falta de outro nome, poderia se chamar amizade sempre existira entre Marilla Cuthbert e a senhora Rachel, apesar ou talvez em virtude da dessemelhança entre elas.
Marilla era uma mulher alta e magra, de corpo anguloso e sem curvas; seu cabelo escuro continha algumas mechas grisalhas, estava sempre preso em um coque pequeno e bem apertado preso com dois grampos que o atravessavam agressivamente. Ela parecia uma mulher de experiência provinciana e de consciência rígida, o que de fato era,mas havia algo oculto em seus lábios que, se fosse apenas um pouco mais desenvolvido, poderia ser considerado indicação de um senso de humor.
– Estamos todos muito bem –respondeu a senhora Rachel.
– Eu meio que receava que vocês não estivessem quando vi Matthew sair hoje. Pensei que ele pudesse estar indo ao médico.
Os lábios de Marilla se retorceram de compreensão. Ela esperava a visita da senhora Rachel; ela soubera que a visão de Matthew partindo de maneira tão inexplicável assim seria demais para a curiosidade da vizinha.
– Oh, não, eu estou bem, apesar de ter tido uma dor de cabeça horrível ontem – retrucou ela. – Matthew foi para Rio Bright. Vamos adotar um garotinho de um orfanato na nova Escócia e ele está chegando de trem esta noite.
Se Marilla tivesse dito que Matthew havia ido a Rio Bright encontrar um canguru da Austrália, a senhora Rachel não teria ficado mais perplexa. Ela de fato ficou sem palavras por cinco segundos. Era impossível presumir que Marilla estivesse brincando com ela, mas a senhora Rachel foi quase forçada a presumir isso.
– Está falando sério, Marilla? – indagou ela quando as palavras lhe voltaram à boca.
– Sim, é claro – replicou Marilla , como se adotar meninos de orfanatos na Nova Escócia fosse parte das tarefas normais da primavera em qualquer fazenda bem cuidada de Avonlea, e não uma inovação inédita.
A senhora Rachel sentiu-se como se tivesse recebido uma pancada mental grave. Ela pensava com exclamações. Um menino! De todas as pessoas possíveis, Marilla e Matthew Cuthbert adotando um menino! De um orfanato! Bem, o mundo certamente estava de cabeça para baixo! Nada mais a surpreenderia depois disto! Nada!
– O que diabos a fez ter esta ideia? – indagou ela em tom de reprovação.
Aquilo havia sido feito sem que pedisse os conselhos dela e, portanto, era necessário que fosse reprovado.
– Bem, faz algum tempo que pensamos sobre isso – respondeu Marilla – A senhora Alexander Spencer veio aqui certo dia antes do Natal e disse que ia adotar uma garotinha de um orfanato em Hopeton na primavera. A prima dela mora lá, e a senhora Spencer veio fazer uma visita aqui e sabe de tudo. Então, Matthew e eu temos discutido este assunto desde então. Pensamos em adotar um menino. Matthew está envelhecendo, ele tem sessenta anos e já não tem a vivacidade de antes. O coração dele lhe causa muitos problemas. E você sabe como tem sido desesperadamente difícil conseguir contratar alguém para ajudar. Nunca há alguém além daqueles garotinhos franceses estúpidos e fracotes, e, assim que consegue treiná-los para que ajam conforme os seus modos e ensinar-lhes alguma coisa, eles vão embora trabalhar nas fábricas de lagosta enlatada ou vão para os Estados Unidos. A pricípio, Matthew sugeriu que adotássemos um órfão do Reino Unido. Mas eu disse “não” logo de saída. “Pode até